Esteban Rodrigues, 24 anos. Homem trans, negro, do subúrbio de Salvador. Escritor, produtor, poeta, modelo, compositor, professor, revisor e pesquisador. Autor da obra Sal a gosto (editora Padê) e Com mãos atadas e como quem pisa em ovos (editora Paralelo13s). Pesquisador do campo interseccional gênero-raça-sexualidade. Sensível e racional na mesma proporção. Meus amigos dizem que eu não choro. A vida corre, não tenho tempo.
a três anos-luz daqui[1]
eu vi o futuro
e eu não era nada além
de pulsar
sentia o sangue dilatando minhas veias
e o sol esquentar o jardim
de margaridas congeladas
do lado de fora da janela
as bicicletas ainda eram bicicletas
os carros não voavam
mas tudo tinha o peso de quem está prestes
a presenciar o estopim de uma guerra mundial
ver o futuro não é uma dádiva, Madalena
eu senti o arrepio na espinha
e o disparar de cada palavra mal dita
o peso do mundo todo dentro de um peito
é
insuportável
e eu não sei por onde ir
meu coração bate três vezes mais rápido
e explode
eu sinto o começo do fim do mundo
minhas mãos perdiam a sensibilidade
a cada segundo
sua voz impregnava meus ouvidos
mas seus gritos não me deixavam sem ar
só então me dei conta
que o meu corpo
comporta teu caos
você não precisa ir embora
há quem muito diga sobre o futuro. inclusive eu. o que muda é o olhar. o meu, cá da ponta do
subúrbio, não alcança carros voadores e teletransporte quântico inspirado em star trek. conto
o tanto de amanhãs que chegaram atrasados, me deixando cabreiro, de perna bamba mesmo,
todo me tremendo. o amanhã é tarde demais, mas ele está logo ali. logo ali: ao pedir a saideira pro garçom; ao fazer uma compra online com prazo de entrega em 21 dias; ao escrever sobre a previsão do futuro sem a mínima ideia de onde colocar o ponto final. se é que o haverá. o futuro é sempre ponto de continuação. o futuro é o próximo piscar de olhos. e o próximo.
[1] RODRIGUES, Esteban. sal a gosto. 1. ed. Brasília: padê editorial, 2018.
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