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FABI FERRO

    Nascido e crescido em Corumbá – Mato Grosso do Sul, região do Alto Pantanal, divisa com a Bolívia e o Paraguai. Artista autodidata, historiador, educador e produtor cultural. Pesquiso Artes em suas multilinguagens, Corpo, Gênero e Sexualidade, sob a ótica decolonial-transdisciplinar. Busco através da memória e do esquecimento produzir minha existência, dar o meu nome. A arte surgiu como mecanismo de sobrevivência e desde então estudo à mim mesmo. Fui membro fundador da Companhia Translúcidas de Teatro em 2016, além de integrar o coletivo que okupou um prédio abandonado, o Canto do MARL (Movimento dos Artistas de Rua de Londrina, Paraná) até 2018. Nesse mesmo ano me mudei para Salvador- Bahia e continuo de forma autônoma meu trabalho iniciado no Paraná. Estudei as artes do corpo por alguns meses, pré-pandemia, com o Coletivo das Liliths, agrupamento de artes lgbtqia+. Atualmente integro o Coletive Danças em Transições, onde 11 artistes, trans e bixas, criam modos de adiar o fim do mundo.

    S/ título
    Pintura e Colagem
    Tamanho: 176 cm x 96 cm
    Materiais: terra, búzios, pedras, ossos, plantas, sementes, papelão, papel, hélice, moedas antigas, chaves.
    Registro: Diogo Andrade
    Ano: 2020
    A enunciação desse painel paira sobre o meu não saber. A minha angústia primordial.
    O painel é uma ação de colocar minha voz. Um grito. Entendendo o corpo-encruzilhada, vejo essa obra Sem título enquanto uma extensão de mim, dessa memória-esquecimento e desse lugar. A arte que venho fazendo nos últimos anos, é o meu corpo e meu corpo é essa arte. São todas as minhas insurgências. A obra é uma invocação e uma anunciação, e também um vislumbre do que é possível assentar nesse mundo onde a justiça é impossível, parafraseando Jota Mombaça.
    A ruptura começa com a reutilização de matérias primas, como a terra, búzios, sementes de abóbora, melão, caju, pimentão e abacate, pedras, ossos, plantas, e outros. Participar e perceber como essas matérias se degradam, os mofos, insetos, o sol, o encolher. O colher das peças na rua. O uso do papelão, papel, da hélice, moedas antigas, chaves e outros objetos considerados lixos, fazem parte do processo de criação da obra. O CéuCabeça é coroado por folhas de peregum, palmeira e a palha de milho. Comida ancestral. Os restos, eu trabalho com o resto. Resto que é fim e é começo.
    Ao todo foram 6 meses, desde a primeira passada de tinta até o quase-fim. Quase-fim pois entendo a obra não como permanente, mas sim algo em transformação.
    Foi aqui em Salvador que o sentimento de incompletude se tornou abismal. Nunca entendi, mas aqui a busca por minha origem se tornou urgente. Ao que é permitido descobrir, no Pantanal minhas raízes são Terena ou Kadiwéu. As memórias familiares e muitas pesquisas apontam para isso. O não saber é reflexo do que a história branca encarregou-se de apagar. Não tenho certezas, carrego-as. O vazio ainda existe, talvez até o fim. Após o fim, engolide pela TerraCéu, serei enfim.
    A obra fala da minha cosmovisão, que é afetada diretamente pelas memórias Yanomami de Davi Kopenawa e por tantos chãos que pisei ao longo de minha própria história. Assim como as lembranças que carregam cada uma das peças. Essa cosmovisão é feita de terra, das cheias do rio, dos sons, do cheiro e da cor de sua água, barro. Não quero definir a obra. Não é esse o objetivo. O que posso dizer é que mostro o meu corpo material e imaterial.
    S/ título
    Pintura e Colagem
    Tamanho: 176 cm x 96 cm
    Materiais: terra, búzios, pedras, ossos, plantas, sementes, papelão, papel, hélice, moedas antigas, chaves.
    Registro: Diogo Andrade
    Ano: 2020
    Cartas à ninguém
    Nascido e criado em Corumbá, Mato Grosso do Sul (Brasil), região do Pantanal Sul, divisa com a Bolívia e o Paraguai. Sou descendente da etnia Terena, tendo sido criado pela minha avó e mãe nessa pequena região, um lugar de muita
    resistência índigena. As minhas obras partem desse lugar geográfico em diálogo com a resistência negra brasileira. Sou Transmaculino não-binárie, pardo, desempregado e brasileiro.
    Eu vivo arte e com artistas desde que estagiei como técnico de audiovisual no Museu Histórico de Londrina em março de 2014. Mas foi em 2016 com a Cia Translúcidas de Teatro que descobri a mim mesmo, a minha voz, movimento, corpo e linguagens. A arte, para mim, sempre esteve profundamente ligada à ideia de rupturas e mudanças, o grito sufocado! Estar em coletivo e em constante conexão com as diversas formas de ser. Arte é política, a linguagem fundada enquanto signo vital “humano”, e estamos aqui para expressar nossa vida real na Abya Yala (termo usado pelos povos originários Kuna para designar a América Latina antes da colonização, e significa “terra viva ou terra em florescimento”), Pindorama (termo usado pelos originários Tupi para designar o Brasil antes da colonização  e significa “lugar/terra das palmeiras”).
    A arte, parte do corpo, é uma das muitas formas de se comunicar, e carrega multiplicidade de linguagens que é infinita e plural. Vivendo num país genocida e tendo nascido pós-ditadura, a necropolítica no Brasil é uma falsa democracia encarnada de neoliberalismo. As minhas performances, registradas em fotos e vídeos, os meus pequenos textos, minhas esculturas, tudo que eu faço é para dizer que eu sou aquele que abominam. A arte que venho fazendo nos últimos anos, é o meu corpo e meu corpo é essa arte. São todas as minhas insurgências. A obra é uma invocação e uma anunciação, e também um vislumbre do que é possível assentar nesse mundo onde a justiça, que é colonial, é impossível, parafraseando a escritora e artista brasileira Jota Mombaça. Integro a classe “não-humana”, o Outro, chamados de diversas maneiras ao longo da “história”,
    mas que hoje dizemos corpos dissidentes, kuír (Queer), trans, negres, índigena da Abya Yala, Sul Global. 
    Artisticamente eu parto da minha vivência, mas sempre em coletivo. Expresso outros mundos possíveis, outros caminhos outrora já apontado pelo movimento e resistência índigena e negra em Pindorama. Eu comecei a escrever há muitos anos e só mais recentemente criei obras visuais. A arte veio em 2014 como uma maneira de me salvar da morte, da invisibilidade que sempre sofri. A partir da materialidade do corpo, penso na descolonização dos modos de ser. Como aponta a artista, escritora e psicóloga portuguesa Grada Kilomba precisamos “apresentar uma possibilidade de produção de conhecimento emancipatória alternativa.” Etnografia do meu corpo trans, miscigenado, da terra encontra em diálogo com outres corpos dissidentes. Falar sobre decomposição de matérias, sobre narrativas há tanto silenciadas, sobre a verdadeira história de Pindorama: violenta, cristã e patriarcal e como resistimos com outras maneiras de ver o mundo com as cosmologias indígenas Terena, Guarani, Yanomami e afrobrasileiras Bantu e Yorubá. 
    As minhas obras falam de um outro tempo, uma outra relação com os recursos naturais, uma outra relação com o corpo e que não passa pela noção de pecado, culpa, hierarquia e dominação. Como sou historiador, utilizo da minha formação para aprofundar sobre os debates sobre biopolitica dos corpos, a colonização e a resistência no Brasil, a economia política buscando historicizar
    a resistência de corpos dissidentes, a comunidade indigena e negra brasileira. Portanto, meu trabalho pode ser chamado de autoetnografia, latina e transgênero. A minha pesquisa de vida e artística é epistemologicamente interseccional. 
    Acredito que a resistência amefricana, como diz a intelectual, política e escritora brasileira Lélia Gonzalez, se realiza em inúmeras frentes. A arte é uma dessas frentes que provoca mudanças e rupturas das violências coloniais e neoliberais. A linguagem das artes é o meio que muites de nós encontramos de viver de uma maneira menos dolorosa, menos aprisionades. O que é a obra de arte senão uma revelação, uma forma/modo de ser do mundo? O gesto artístico e a obra são uma extensão da existência criadora, são personagens jurídicos de um dos infinitos modos de existência. 
    Como um brasileiro, transmasculine não binárie, pardo eu parto da imaginação
    e das vidas dissidentes para criar outros modos de existir e resistir. Integro a
    teoria transdisciplinar à prática sempre em investigação. Acredito que muito
    tenho a somar na sociedade, nas redes de artistas dissidentes. Quero permanecer
    vivo para continuar lutando pelos direitos LGBTQIA+. E a minha arte é a
    maneira de fazer história pelas lacunas do mundo, há muito rachadas.
    S/ título
    Pintura e Colagem
    Tamanho: 176 cm x 96 cm
    Materiais: terra, búzios, pedras, ossos, plantas, sementes, papelão, papel, hélice, moedas antigas, chaves.
    Registro: Diogo Andrade
    Ano: 2020
    Poemas descontínuos
    há imensidão no cais do tempo.
    as curas possíveis para
    meus males
    e agonia
    estão em minha raiz.
    escava-o.
    a fuga é invisível
    e a memória existe para o não-fim.
    escavar a fuga como modo de existência, terra.
    a memória-fuga para libertar o corpo.
    des en for mar.

    boca de tudo, sou a ausência no que me calaram.
    da onde eu vim, corre um rio
    navego chalana, redemoinho engole
    terra come. não há fim.

    é necessário saber de si.
    e quando os outros te dão o nome antes,
    antes da sua existência?
    me negaram o saber das raízes firmes
    embora tenha nascido as minhas próprias,
    vovó cantou em mim.
    sou ser suficiente para dar o meu nome?
    corpo invisível,
    corpo amorfo.
    me fiz jibóia, mato que nasce em tudo
    ser de outros seres,
    trepadeira.
    não me reconhecem.
    afundo na lama do mangue
    do rio, marr on.
    corpo vivo, terra salobra.
    água turva
    imersa- externa.
    continuo procurando,
    as raízes apodrecem rápido!
    afundo para crescer.
    tentáculos, emerjo.
    sol água solo- chão.
    organismos ácidos,
    composição diversa.
    água restos muitos.
    morte,
    todo solo é enriquecido de fins.
    temp(l)o ………………….. solo.
    corpo vivo, corpo resto, monstro.

    Para consultas sobre vendas: muthabrasil@gmail.com

    COMO CITAR O MUTHA?

    O MUTHA é uma obra artística e um projeto científico autoral de Ian Guimarães Habib. Por esse motivo, o MUTHA deve ser citado junto de sua autoria, a partir da seguinte obra:

    HABIB, Ian Guimarães. Corpos Transformacionais: a transformação corporal nas artes da cena. São Paulo: Ed. Hucitec, 2021.